Aqui encontrará aventura, suspense, ficção, realidade, drama, trama, intriga, amor e ódio.
Uma estória que se desenrola em três épocas
distintas, onde a vida modela as características dos personagens.
As chamas da vida transformam
pedras brutas em finos diamantes, e o destino ultrapassa os limites da
imaginação.
Leia e Reflita.
Pertence a Benedito Oswaldo Vittoretti
Através deste livro espero proporcionar horas
agradáveis e possíveis reflexões.
Que Deus ilumine e cubra de bênção a todos os seus
filhos.
Jacareí, 04 de dezembro de 2004
Não leia O Teatro Da Vida, vá direto ao conto
do
livro: A DESPEDIDA
O TEATRO DA
VIDA
A vida é magia que nos faz
confundir sonho com realidade. Transforma espírito em atores.
Ela é um imenso teatro, onde
representamos o papel que nos cabe de forma tão intensa, que acabamos por
transformarmo-nos no personagem que no momento representamos.
Ao término da peça, os atores já
transformados no personagem que representavam, assumem a personalidade e
características que viveram durante o ato.
Atuamos tão intensamente sobre o
palco da vida, que muitas vezes o espetáculo termina e não percebemos que a
cortina fechou, que tudo se encerrou.
Muita são as vezes que damos
tanto valor a uma cena do espetáculo, e não percebemos que é apenas uma cena, é
apenas uma parte, apenas um ato dentre muitos que já representamos, e muitos
que ainda vamos representar.
Muitas são as vezes que nos
afinizamos e nos amarramos por demasiado tempo a um personagem que nem sempre
nos completa, nem sempre nos traz satisfação, nem sempre nos faz bem.
Essas são as vezes que nos
mostramos atores teimosos, adiamos a representação de outro personagem, talvez
mais interessante ao nosso ego, adiamos a representação de um personagem que
possa nos dar alegria ao representá-lo.
Somos atores do teatro que
nos transforma, vivemos intensamente as características e a personalidade do
personagem que no espetáculo atual
representamos.
Vida, o grande teatro de Deus,
teatro que faz com que atores vivam a vida do personagem: agora você vai ser o
pai, agora será o genro, agora o irmão, o tio, o sobrinho, o trabalhador, o
presidente.
Deus, o diretor; nós os
grandes pequenos artistas.
Dentro desse teatro vivemos
comédias, dramas, tramas, suspenses, nos emocionamos, ficamos tristes,
esperançosos, alegres, decepcionados, compassivos, raivosos, e acabamos
aprendendo ou pelo menos modificando nosso interior.
Aprendemos com a vida do
personagem que hoje representamos e com o desenrolar da “estória”.
Digamos que não estamos vivendo
uma história e sim uma estória.
Esse é um teatro tão forte que
muitas vezes chegamos a pensar que realmente somos juízes, professores, garis,
operários, médicos, diplomatas, agricultores, chegamos a pensar que somos
covardes, que somos fracos ou fortes demais. Só não percebemos que somos
alunos.
Muitas vezes alguns atores chegam
a pensar que não são nada, pois estão representando o nada. Esse nada é o nada
para a sociedade, nada para a família, nada para o sistema implantado; mas as
pessoas e nem mesmo ele percebe que se tratar de um teatro, no qual somos
todos atores representando um papel que logo se acaba.
Talvez na próxima representação,
na próxima peça teatral, os atores possam trocar entre si os papéis, os
personagens que outrora representavam.
Você que hoje é ator, fique
atento para não se confundir entre sua realidade e a realidade do personagem
que hoje representa.
Nunca pense que é grande demais,
ou tão pouco sinta que é pequeno demais, apenas perceba que você é parte de
quem cuida de você, você é parte de Deus.
Pensando que Ele o criou, então
você é criatura dele.
Pensando que Ele cuida de você,
então Ele é seu Pai, você é filho Dele e sempre será, eternamente será.
Pela força das circunstâncias,
equivocadamente durante a peça, pensara que é filho de João ou de José,
pensara que é pai ou mãe deste ou daquele, mas não se esqueça que logo o
espetáculo encerra e a realidade o cobrirá com sua verdade.
Somos todos atores, somos todos
iguais, o único diferente é Ele; somos os artistas da vida, Ele, o diretor.
Devemos representar nosso papel
da melhor maneira possível e perceber se ainda estamos aprendendo, pois aquele
que sente que tudo sabe, que tudo aprendeu que só tem a ensinar, infelizmente
está simplesmente no meio do palco e não consegue assimilar mais nada.
Sossegou-se com o personagem que hoje representa, e não está pronto para
receber o script do próximo personagem que virá.
A mente guarda segredos que superam até mesmo os
limites da imaginação.
ÍNDICE
|
|
A
Despedida
|
14
|
A
Tragédia
|
17
|
A Morte
|
19
|
A
Surpresa
|
22
|
Os
Habitantes da Ilha
|
26
|
Uma
Nova Vida
|
29
|
A
Tentativa
|
32
|
Mudanças
na Família
|
34
|
Visitas
|
36
|
Novos
Rumos
|
38
|
O
Impacto
|
39
|
O
Descanso
|
41
|
O
Cliente
|
42
|
Na
Fazenda
|
46
|
O Roubo
|
50
|
O Fim
de Emílio
|
54
|
O
Domínio
|
59
|
A Trama
|
64
|
Conclusões
|
68
|
O
Reencontro
|
71
|
Um
Pedido no Natal
|
77
|
A DESPEDIDA
Estávamos a cinco dias do natal e
a quatro do aniversário de Andressa.
No dia 24 de dezembro de 1922,
minha noiva faria 20 anos, seriam duas comemorações: seu aniversário e o
nosso casamento.
Estávamos contentes, as famílias
reunidas em festa aguardavam ansiosas pela data.
Para lhe fazer surpresa, comprei
toda mobília e iria dar-lhe de presente no dia de seu aniversário.
Nesse mesmo dia aproveitei para
comprar alguns equipamentos de pesca; havia uma pescaria marcada para o dia 22,
seria numa sexta-feira, dois dias antes da festa.
Conheci Andressa a quatro anos na
festa de aniversário de seu pai.
Convidei-a para dançar, ficamos
conversando durante horas; uma semana após iniciamos o namoro com o
consentimento dos pais dela.
Nessa época dividíamos nosso
tempo entre o trabalho e estudos, mas guardávamos pelo menos uma hora todos os
dias para conversarmos e matar a saudade. Não ficávamos um só dia separados.
Ela adorava crianças, seu sonho
era ter um bebê.
Lembro-me de nossa última
conversa como se fosse hoje:
_ Enquanto você vai pescar começo
o enxoval do nosso futuro bebê.
_ Vou adiantar as roupinhas,
farei tudo branco, assim servirá para menino ou menina.
_ Está bem Andressa, estarei no
mar mas meu pensamento estará em você; chegarei sábado a tarde, então iremos
comer os peixes na casa da sua avó.
_ Agora preciso ir embora, vou ajudar
minha mãe que está preparando alguns alimentos e frutas para a pescaria.
Abraçamo-nos por um longo tempo,
o relógio da sala bateu onze vezes, despedimo-nos e fui para casa.
Às quatro horas da manhã do dia
22, com meu irmão e colegas, fui de encontro ao barco que nos levaria a alto
mar.
Uma pequena embarcação com oito
metros de comprimento e três de largura, cobertura simples, dois beliches,
banheiro não havia.
Éramos em cinco contando com o
barqueiro. Todos trabalhávamos na mesma empresa a mais ou menos dois anos.
Julio meu querido irmão gêmeo
estava radiante, era sua primeira experiência no mar.
O sol começou a rasgar a noite,
uma bonita visão. Olhei para meus amigos e disse:
_Vamos pescar bastante para ter
peixe em meu casamento.
A resposta veio do Julio, que
sempre estava sorrindo e animado:
_ Oh sim ! O barco vai afundar
com tanto peixe, ah, ah.
Às 05:30 hs embarcamos e seguimos
rumo alto mar.
Navegamos durante 6 hs e 30 min,
o dia estava bonito, trazia boas promessas, entretanto estávamos receosos pois
a distância entre nós e a terra era grande; confesso que dava um friozinho na
barriga ao ver tanta água.
Mar adentro, bem distante de nós,
avistamos uma pequena ilha; não poderíamos saber seu tamanho real pois estava
muito longe.
O barqueiro ordenou que
lançássemos linhas grossas e fizéssemos braço firme para pegar peixe grande.
No final da tarde, o sol
alaranjado e avermelhado sumia no horizonte; pescávamos, conversávamos,
estávamos todos contentes, a pescaria tinha sido muito boa.
Alegre, meu irmão disse que o
barqueiro havia ganho mais um freguês; Julio seria meu padrinho de
casamento.
Começou a escurecer, seria noite
sem lua e as nuvens chegavam cobrindo todo o céu; em poucos minutos ficou muito
escuro, o mar começou a agitar-se provocando mal estar em todos.
Peguei a sacola de mantimento,
atravessei-a no pescoço, deitado comendo frutas dormi durante duas horas.
Em meu sonho Andressa não foi ao
casamento. Procurei por toda parte mas não a encontrei.
Assustado com o pesadelo levantei
a cabeça e acordei.
Todos estavam dormindo nos
beliches.
Para não acordá-los fiquei
sentado ali mesmo, ouvindo o estranho barulho da água batendo no casco do
barco; a escuridão era total, macabra, dava arrepios.
Sentindo sede levantei-me para
procurar o galão de água, quando vi luzes bem perto.
Lembrei-me da ilha que avistamos
durante o dia, achei que as luzes viessem dela; conclui que as ondas haviam
arrastado o barco para perto delas enquanto dormíamos.
Entretanto observando com mais
atenção, percebi que as luzes se movimentavam em nossa direção.
A TRAGÉDIA
Assustado, chamei o barqueiro:
_Noel, corra aqui, tem uma coisa
estranha vindo em nossa direção, parece um enorme navio.
Noel olhou para o monstro que
vinha em direção do barco e apavorado correu para o motor.
Não podíamos acender as luzes
pois dependiam da energia gerada pelo motor, quando em funcionamento.
Estávamos tensos, nada podíamos
fazer.
Noel dava a partida mas o motor
não funcionava.
Foi tudo muito rápido, o navio em
alta velocidade cortou o barco ao meio e foi embora.
Todos gritamos e acenamos antes
do choque, mas a escuridão e o barulho dos enormes motores, não deixaram que
nos percebessem.
Segundos antes do impacto, Julio
pulou na água segurando a prancha de madeira, em seguida pulei agarrado num
botijão de gás.
O barqueiro morreu tentando fazer
o motor funcionar, assim como os outros que não quiseram pular.
A água estava gelada; Julio
apavorado se agarrava em mim; tentando acalmá-lo bebi bastante água.
O navio desapareceu rapidamente
fazendo grande marola.
Sozinhos em meio a escuridão,
esperávamos que o dia raiasse e que não fôssemos transformados em comida de
tubarão.
Uma forte corrente nos arrastou a
grande velocidade.
Enganados, pensamos que as águas
nos levavam em direção à ilha.
Os cardumes batiam em nossas
costa, barriga e pernas.
Permanecemos o tempo todo
abraçados, tínhamos medo do que poderia vir por baixo.
Julio chorava desesperado, dizia
que iríamos morrer.
A noite foi longa e congelante.
Quase não agüentávamos a temperatura quando o dia começou a raiar.
Um intenso nevoeiro cobria tudo.
Estávamos duros de frio, mas por
sorte quando o nevoeiro acabou, entramos numa corrente de águas quentes.
Desapontados percebemos que não
havia ilha nem terra em direção alguma.
Com menos frio começamos a sentir
fome, as frutas que estavam na sacola ajudaram a acalmar o estômago.
Conversávamos o tempo todo, eu
dizia que talvez estivéssemos na rota dos navios e logo seríamos resgatados.
Julio estava muito abatido, ainda
tremia de frio, nossa boca ardia, as mãos estavam pálidas, a pele toda enrugada.
Sentíamos muita sede e o sol
castigava bastante.
Aos poucos vimos os últimos
raios de sol no horizonte.
A MORTE
Um cardume de golfinho passou a
uns 20 metros, podíamos ouvir o som estridentes de suas vozes.
O frio aumentava assim como a
fome e a sede, a cruel escuridão trazia consigo suspense e medo.
A temperatura estava muito baixa,
sentíamos tontura e enjôo, tremíamos sem parar.
Julio estava muito mal, tossia
demais; curara-se de uma pneumonia há pouco tempo.
Ao ver meu irmão se
arrebentando de tanto tossir, achei que aquela seria nossa última noite.
Quase congelado pelo frio
intenso, adormeci um pouco durante a madrugada.
Quando o dia raiou, Julio estava
desmaiado debruçado na prancha; pude ver sangue em sua boca.
Massageei intensamente sua nuca,
os pulsos, as costas, o peito, até que aos poucos tornou-se consciente.
Tremia descontroladamente, quase
não conseguia falar.
Aproximadamente ás quinze horas
ele morreu.
Lembrei-me que era véspera de
natal, pensei em meus pais, lembrei-me que era o dia do casamento.
Coloquei seu braço em volta do
botijão, de maneira que eu pudesse segurá-lo; tinha esperança de levar seu corpo
para casa.
O desespero bateu em meu
coração; olhando para ele com carinho, pensei:
_ Fique tranquilo meu irmão,
agora você não sofre mais.
Relembrei toda nossa infância,
seus desejos, suas conversas; apesar de sempre estar doente, era muito animado
e alegre; uma grande tristeza me fez chorar.
Agora eu estava sozinho e calado
como meu irmão.
O desespero que penetrou minha
alma era indescritível, pedi a Deus que me levasse também.
Aos poucos a escuridão trouxe a
noite mais horrível de toda minha vida.
Meu corpo estava esquisito, não
sentia os pés, estava congelado. O cansaço me consumia, a solidão vinha
trazendo medo, abalava minhas esperanças.
Pensando em Julio e nela, em
minha futura esposa, tentava reunir forças para lutar pela vida.
Andressa foi minha primeira
namorada, dedicava minha vida a ela, trabalhava pensando em nosso futuro
juntos.
Nunca saíamos de casa sozinhos,
éramos inseparáveis.
As horas foram passando, quase
sem forças dormi segurando o braço de Julio.
Quando o dia começou raiar,
acordei falando com meu irmão:
_ Acorde, vamos para o casamento.
Mas o Julio tinha ido embora, não
estava mais junto de mim, olhei em todas as direções e não o vi. Afundara
enquanto eu sonhava.
Em prantos fechei os olhos e
falei com ele:
_ Tchau Julio, vai com Deus, um
dia nos veremos meu querido irmão.
O dia apresentava sinais de
chuva, estava nublado com pouca visibilidade; olhei a minha volta e não vi
sinal de terra.
Ressecada como o rosto, a
garganta ardia.
Sentindo câimbra nas pernas e nos
braços, quase não conseguia segurar o botijão.
Por volta do meio-dia começou a
chuva; recebi os pingos como uma bênção, já não aguentava mais. Com a boca
aberta e olhando para cima, bebi cada gota como se fosse a última.
O mar ficou agitado levantando
ondas de três metros.
Fiquei com medo, a morte me
envolvia, não aguentava mais segurar o botijão; pensava em Andressa para buscar
forças. Não podia deixá-la, pedia forças a Deus e segurava bem o botijão.
Contra o balanço das ondas,
subindo e descendo sem parar, lutava para não beber água salgada.
Quando começou escurecer a chuva
parou e uma forte corrente de águas quentes carregou-me rapidamente.
Por volta das 21:00 hs, algumas
baleias se aproximaram.
A sensação era pavorosa, quase
esbarravam em mim; ficaram ali por muito tempo, depois calmamente
desapareceram.
Minhas mãos quase não obedeciam,
então amarrei a cinta ao botijão e adormeci, acordando somente quando entrava
água no nariz.
Meus olhos e minhas costas
queimavam, sentia gosto de sangue, achei que seria minha ultima noite.
Assim foi a indescritível noite:
dormindo, acordando, quase sem forças, até que uma enorme onda estourou sobre
mim, agarrei-me ao botijão e logo outra mais forte tirou meu fôlego.
Desesperado tentando me
equilibrar, estiquei as pernas e senti batê-las em algo.
_ Um tubarão. Foi a primeira
coisa que passou por minha cabeça. Apavorado encolhi-me puxando rapidamente os
pés.
Olhei a minha volta para ver o
peixe, mas uma imensa onda cobriu meu rosto, fazendo com que largasse o botijão
e fosse lançado ao fundo com toda força. Bati a cabeça na areia e voltei à
superfície puxado pelo botijão.
A SURPRESA
Só então percebi que estava em
terra firme.
Afirmando-me como podia pois
quase não parava em pé, deixei que a força das ondas me levasse para a praia.
Fraco, tonto, deitado na areia
desmaiei; quando acordei senti o rosto e as mãos queimando, o sol estava muito
forte, era aproximadamente meio dia.
Arrastando-me procurei uma
sombra, deitei embaixo de uma árvore e fiquei imaginando onde estaria.
Pensei ter boiado em círculo,
acabando por parar na ilha que avistamos quando pescávamos.
Lembrei-me que já era dia 26 e
não pude dar meu presente para Andressa, não pude casar.
Meus companheiros estavam mortos,
meu irmão não suportou as noites geladas, não pude salvá-lo.
A minha frente estava o imenso
oceano, atrás eram árvore e rochas.
Levantei-me com muita
dificuldade, precisava encontrar água, a sede era insuportável.
Entrei na mata úmida que guardava
no chão várias folhas molhadas. Peguei-as uma a uma colocando-as na boca e
sugando-lhes o orvalho. Tinha gosto de mofo, gosto de terra; senti o estomago
embrulhar, havia algum tipo de ácido misturado à água.
Continuei mata adentro, até que
encontrei alívio numa pequena vertente de água limpa.
Agora precisava achar alguém que
me levasse para casa.
A mata era escura e fechada,
dificultava a caminhada, então resolvi voltar e prosseguir pela praia.
Andei bastante; fraco o cansaço
me consumia, a fome cortava o estômago; estava tonto, a cabeça doía, os pés
latejavam, o rosto e braços ardiam em consequência das queimaduras do sal e do
sol.
O dia estava terminando e um
forte vento varreu a praia, a areia subia formando uma cortina, e o mar
engrossou levantando ondas enormes.
A roupa ainda úmida me fazia
sentir frio.
Continuei vagando pela praia, até
que um enorme paredão de rocha interrompeu minha caminhada; teria que dar a
volta pelo mato se quisesse continuar andando. Como já estava escuro, preferi
passar a noite deitado entre as pedras.
Foi outra longa noite de
madrugada fria, o vento estava gelado, não conseguia parar de bater os dentes.
Da mata vinham vários barulhos,
gritos, sons que eu desconhecia.
A pedra onde estava deitado
machucava as costas, não encontrava posição melhor, meus pés e mão estavam
congelado, a cabeça doía tanto que dava impressão de explodir a qualquer
momento.
Logo que o sol reapareceu,
levantei-me descendo da pedra com cuidado, pois me sentia muito fraco, a
intensa dor de cabeça não me abandonava.
As horas se passaram, o sol me
aqueceu, a dor de cabeça diminuiu, então consegui dormir um pouco.
Quando acordei com o rosto
queimado e cheio de areia, percebi que a pele saia, estava todo esfolado.
Ainda tonto e com dificuldades,
entrei na mata. Foi uma caminhada difícil: pisava em espinhos, meus pés
enroscavam nos cipós, os ramos batiam nas feridas do rosto, mas consegui
contornar o paredão e voltar para a praia.
Procurando uma sombra encontrei
uma goiabeira carregada de frutas. Apesar de alta e escorregadia, subi e comi
quantas pude pegar.
Meu estômago estava saciado mas
sentia sede, precisava voltar a mata e procurar água.
Devagar comecei a descer da
árvore; machucadas as mãos doíam, mas seguravam os galhos, os pés cortados e
inchados também teria ajudado se o galho não tivesse quebrado.
Embaixo da goiabeira tinha uma
grande pedra onde caí como uma abóbora, quebrando a perna direita.
No instante que caí não percebi a
quebradura, mas quando tentei levantar-me, senti uma forte dor e um estalo no
osso.
Era aproximadamente 17:00 hs;
sabia que se aproximava a pior de todas as noites.
Agora a mercê da sorte, deitei e
mordi um galho seco, para aliviar a violenta dor. Parecia que minha perna
estava sendo arrancada; imóvel, esperei a noite que chegou mais gelada do que
nunca.
Os ventos uivavam levantando
areia; a dor de cabeça voltou, meu rosto queimava, minha perna latejava, a
garganta estava seca.
Achando que não viveria por muito
tempo, relaxei tentando dormir, quando uma ferroada na perna me despertou; era
um caranguejo tentando me comer, mas acabou virando comida.
O céu estava estrelado, o mar se
acalmou; fiz um travesseiro de areia e olhando para cima pensei em minha vida.
_ Não pude dar o presente para
Andressa, não pude desejar feliz natal para o Julio.
É Julio.., esse foi Nosso
Ultimo Natal.
Algumas lágrimas correram pelo
rosto fazendo as feridas arderem.
_ Minha vida esta acabada, esta
perna vai me matar.
Com febre, adormeci envolvido em
pensamentos; acordei somente quando o dia raiou.
A perna inchada e o osso fora de
posição, pediam uma tala; precisava encontrar um galho para colocá-lo no lugar.
Arrastando-me na areia achei o
que precisava.
Rasguei a perna direita da calça
e com ela fiz algumas tiras. A custo de dificuldades e dor, a tala estava
pronta no entanto não podia levantar-me, a dor era intensa.
Arrastando-me fui até as pedras,
na tentativa de matar a sede comi alguns mexilhões.
Tudo era difícil, com muito
esforço voltei à areia, minha mão sangrava, a perna doía muito, estava roxa.
O dia quente fazia a sede
aumentar, as fortes dores tornavam as horas intermináveis.
Deitado à sombra de um coqueiro,
com febre e tontura, desmaiei, não vi a noite chegar.
Quando acordei estava coberto de
areia, a dor muito forte não permitia que me mexesse.
Por volta das 23:00 hs um caçador
me achou.
OS HABITANTES
DA ILHA
Sem falar nada me olhou e foi
embora, voltando uma hora depois com uma maca improvisada.
Ele e sua esposa, uma senhora de
meia idade, levaram-me para a casa que tinham na ilha.
A febre continuou noite adentro e
o dia todo, mas o pior foi durante a madrugada.
Colocavam água em minha boca
através de um pano molhado. Às 3:00 hs acordei soltando sangue pelo nariz;
olhei a minha volta pensando que estava em casa, chamei por minha mãe várias
vezes. A febre aumentava prolongando o delírio por toda a madrugada: chamava
Andressa, gritava o nome de meu pai, chorava chamando meu irmão.
Por volta das 6:00 hs acordei
ouvindo o galo cantar.
Uma senhora de 42 anos,
aparentando ter mais idade, rosto marcado pelo tempo e grossas mãos entalhadas
pelo trabalho, perguntou-me se estava melhor.
_ Acho que sim !
_ Está em minha casa; você
precisa tomar um pouco de sopa, espere que vou buscar.
_ Senhora, gostaria de tomar
água.
Na ilha moravam duas família:
senhor Álvaro e dona Irene, eram donos da casa onde eu estava, tinham apenas um
filho com 6 anos de idade.
Na outra casa morava dona
Francisca e duas filhas: uma com cinco, a outra com dezesseis anos; o pai
das meninas, senhor Amâncio, morreu em 1920.
Amâncio e Álvaro eram filhos de
um superior da marinha; filhos do coronel Armando e da mestiça dona Iracema,
sua esposa.
Aos 39 anos o coronel
acidentou-se numa manobra militar; um ano depois do acidente foi reformado, e
após dois anos, dona Iracema sua primeira esposa, faleceu deixando o coronel
sem herdeiros. Mais dois anos passaram e o coronel em passeio à Manaus,
conheceu uma mestiça com o nome de sua ex-esposa.
Iracema com vinte e quatro anos,
filha de índia com holandês, tinha a pele cor de bronze, olhos verdes,
cabelos lisos, compridos e negros. Casou-se com o coronel e foram morar na
ilha.
Naquela época, o paraíso do
coronel, uma bonita ilha, ficava na rota dos grandes navios que navegavam em
águas internacionais.
Para a ilha levou porcos,
ovelhas, cabritos, aves, tatus, porcos do mato, lebres, galinhas, patos,
abelhas, e outros.
Plantou árvores frutíferas,
milho, mandioca, cana de açúcar, bananeiras, café, fez hortas e cuidava das colmeias espalhadas pela mata.
Possuía uma enorme lancha que
usava para chegar até os navios. Na casa havia um bom rádio, que usava para
fazer contato com a terra e os navegantes.
Logo Iracema ganhou um menino, a
criança chamou-se Amâncio, um ano depois nasceu Álvaro.
Quando atingiram a maioridade
deixaram a ilha voltando alguns anos depois, um pouco antes da morte do
coronel. Casados, trouxeram as esposas e fizeram da ilha morada permanente.
Quinze anos depois, a mãe de sangue mestiço morreu, os navios mudaram a rota.
Estava tudo diferente: a casa
grande precisava de reformas, o rádio não funcionava, a lancha afundou.
A ilha estava totalmente isolada,
os navios desapareceram e ninguém mais se lembrava dela.
Somente o velho gerador de
energia ainda funcionava; era impulsionado pelo vento que nunca faltava na
ilha, mas pouco importava pois as lâmpadas e o chuveiro estavam queimados.
Nessa época os irmãos resolveram
derrubar a casa grande; com o material retirado construíram duas menores, não
precisavam de muito espaço pois ainda eram quatro pessoas.
Com medo por estarem longe da
medicina, às mulheres não queriam crianças, temiam morrer no parto.
Mas como a vida não é como
queremos, Francisca esposa de Amâncio ganhou uma menina, que em homenagem a
sogra foi chamada Iracema.
Dez anos depois, na casa do Sr.
Álvaro nasceu Armando, um menino grande e bonito. Nessa época, dona Francisca
esperava outra menina, era Aninha que estava a caminho do nascimento.
Isolados sem ter como ir para o
continente, continuaram suas vidas cultivando a terra, caçando e retirando mel.
Eram ótimas pessoas, tratavam-me
como se fosse da família:
_ Prepare-se rapaz, agora você é
o mais novo morador da ilha; não tem como sair; estamos isolados há muitos
anos.
Logo acaba se acostumando, a ilha
é o nosso paraíso, é um grande privilégio morar aqui.
Anime-se, logo você vai andar,
nadar ou se preferir vai caçar, pescar; aos poucos as coisas melhoram.
Dessa maneira Sr. Álvaro estava
sempre me encorajando, entretanto sentia-me um prisioneiro, a ideia de ir
embora nunca acabaria; sabia que um dia iria embora, mesmo que muitos anos
passassem, assim eu pensava.
UMA NOVA VIDA
Dona Irene colocando mel em meu rosto todos os
dias, fez com que as feridas logo desaparecessem; minha perna doía menos, então
comecei a andar na muleta que o Sr. Álvaro fez.
Iracema era a filha mais velha de
dona Francisca, inteligente e trabalhadeira ajudava a mãe nos afazeres; pescava
com uma rede feita de corda de vegetal, fazia roupas, farinha e cozinhava.
A mandioca e alguns peixes eram transformados em
farinha; Dona Iracema, a avó mestiça, ensinara os filhos e noras a sobreviverem
da natureza; ensinou-lhes fazer vasilhas de barro e de pedra, curtir o couro,
fazer roupas, remédios, etc...
O sal era retirado da água
fervida em um grande caldeirão de ferro fundido, o açúcar vinha da cana e do
mel, a água doce usada para beber, vinha do riacho que descia do alto da ilha,
indo em direção ao mar.
Viviam bem, eram felizes, tinham
tudo que precisavam.
À tardinha, sentados nas redes embaixo
das árvores, conversavam e contavam histórias para as crianças.
Numa dessas tardes contei-lhes
minha história; queriam ajudar-me mas nada podiam.; sem um bom motor era
impossível tentar chegar à rota dos navios.
Seis meses se passaram, voltei a
caminhar e minha perna aos poucos voltava ao normal.
Durante o dia esquecia minhas
tristezas ajudando-os no trabalho, mas à noite quando o silêncio imperava, a
saudade e as lembranças me atormentavam.
Pensava em minha noiva, minha
família, nas ruas e calçadas do bairro; sempre sonhava com Julio a meu lado no
mar.
O ano terminava; meu corpo já não
tinha as marcas do desastre, mas minha mente ainda guardava profundas
lembranças.
Aprendi a cuidar da horta e
ajudava Iracema nos afazeres e na pescaria.
Dona Francisca, muito
trabalhadeira, preocupava-se com os preparativo do natal, todos estavam
alegres.
Era o primeiro natal longe dos
meus, as lembranças se tornaram nítidas, era como entrar na máquina do tempo.
Afastando-me da casa, subi na
pedreira e lembrei meu passado: Dimas era o nome do funcionário da loja onde
comprei os móveis.
Minha mãe estava contente,
gostava muito de minha noiva, dizia que aquele seria o natal mais feliz de sua
vida.
Meu pai pediu-me que não fosse
pescar e Andressa dizia estar vivendo os dias mais felizes de sua vida.
Perdido em pensamentos, olhando o
horizonte, querendo enxergar minha terra, não percebi o tempo passar.
_ Nino, venha precisa me ajudar,
vamos pegar um leitão para assar. O menino Armando queria minha ajuda.
_ Vá Armando, logo estarei lá !
Era 24 de dezembro de
1923; lembrei-me que no ano anterior Julio estava ao meu lado, era aniversário
de minha noiva, nosso casamento iria se realizar.
Meu corpo estava no paraíso,
porem minha mente no passado, fazia em cacos meu coração.
Falando comigo mesmo, pensava:
_ Por que tanto sofrimento em
nossas vidas ?
_ Daria tudo para saber porque
isso aconteceu...
_ Venha Nino, ande logo
precisamos de você, porque demora ? Falando alto, Iracema veio me chamar.
A menina estava sempre ao meu lado,
perguntava coisas sobre a cidade que nunca viu; era boa filha e dedicada
companheira.
Aproveitava meus finais de tarde
para ensinar lições de escola, que geralmente as crianças não gostavam. Queria
vê-las lendo e escrevendo, mas não sabia se daria tempo; planejava construir
uma jangada e seguir rumo a rota dos navios.
Todos diziam que era impossível;
Sr. Álvaro explicava que o vento e a corrente marítima vinham de encontro
eliminando todas as possibilidades.
Iracema e Armandinho não queriam
minha partida.
_ Se for..., irei com você e terá
que tomar conta de mim !
_ Você entendeu Nino ? Brava, com
os olhos estalados, Iracema falava com muita convicção, algumas vezes dava a
impressão de ser minha irmã.
À noite reunimo-nos em festa;
embora um pouco triste, cantei músicas de natal, nos abraçamos e falamos com
Deus pedindo saúde, união e fartura.
Um delicioso vinho feito por
Iracema foi servido; a mesa estava farta, tinha pão, arroz, coelho, frango,
leitão, peixe, saladas, doces, sucos, bolos e saladas de frutas.
Oito meses se passaram, minha
jangada estava pronta e esperava-me do outro lado da ilha, exatamente no ponto
que cheguei.
A TENTATIVA
Quando chegou a madrugada, peguei
meu casaco feito por Iracema, com pele de carneiro, peguei duas cumbucas cheias
d’ água, mel e suprimento para cinco dias.
Como não poderia seguir em linha
reta até rota dos navios, resolvi sair do lado oposto e contornar a ilha.
Subindo na jangada, afastei-me
aproximadamente quinhentos metros da terra, aos poucos alinhei a jangada na
direção exata e então comecei a remar; seguia um metro à frente e voltava dois,
o vento vinha de encontro empurrando a jangada; as coisas começaram a dar
errado.
O pavor tomou conta de minha mente;
Tudo estava ficando para trás: a rota dos navios, a ilha.
Percebi que o momento era aquele,
teria que tomar uma decisão rapidamente; então pulei abandonando a jangada,
precisava ser ágil para sair da corrente marítima.
Ondas de cinco metros se levantavam
a minha frente.
Lutei contra os ventos e a água
durante duas horas e meia. Cheguei na areia quase morto; caso precisasse nadar
mais meia hora teria morrido.
Ao me aproximar da zona de
arrebentação, pude ver que estavam todos na praia.
Quinze anos mais tarde Nino
descobriu por acaso, que somente em janeiro e fevereiro as correntes marítimas
seguiam em direção da rota dos navios; mesmo assim nunca mais tentou.
Quatro anos passaram, já
pertencia a família; Sr. Álvaro e dona Irene me chamavam de filho e diziam que
a ilha também era minha.
Dona Francisca estava doente, a
maior parte do tempo ficava deitada, até que um dia ao perceber que estava
muito mal, chamou todos para se despedir.
Aconselhou as filhas, pediu a
todos que cuidassem delas, falou pouco pois sua respiração estava ofegante.
Pediu-me que casasse com Iracema
e cuidasse da Aninha.
_ Ela será uma boa esposa e você
deverá ser um bom marido. Cuide por mim da Aninha, ela é uma boa menina.
Uma semana depois ela morreu.
As meninas foram para a casa do
Sr. Álvaro, eu fui para a casa delas. Iracema estava com 22 anos, era uma
mulher muito bonita, tinha cabelos pretos, longos e olhos verdes como a avó.
Sete meses após a morte de sua mãe,
Sr. Álvaro disse-nos que precisávamos marcar a data do casamento.
Iracema estava alegre, mas eu
sabia que o casamento iria roubar minhas últimas esperanças de voltar para
casa.
As lembranças nunca me
abandonaram, sentia saudades e tinha muita esperança de voltar.
Conversando com Sr. Álvaro falei
sobre minhas dúvidas e inseguranças, mas ele achava que não havia problema
algum, pois se houvesse oportunidade para sair da ilha, essa oportunidade seria
para todos que quisessem.
MUDANÇAS NA FAMÍLIA
Uma semana depois estávamos
casados e ficamos morando na casa de dona Francisca.
Em 1930 o Sr. Álvaro morreu; dona
Irene, de tristeza a cada dia morria um pouco, até que um ano e meio depois,
também se foi.
Um pouco antes de sua morte, Sr.
Álvaro contou em segredo para o jovem Nino, onde estava enterrado o cofre de
moedas de ouro de seu pai, o cofre do coronel Armando:
_ Esse segredo cabe somente a
aquele que for líder desta ilha; o dinheiro deverá ser usado somente em caso de
extremo.
Caso não precise ou não tenha
como usá-lo, um pouco antes de sua morte, deverá dizer ao futuro líder da ilha,
o local que o baú está enterrado.
Armandinho sentindo falta dos
pais, a cada dia se agarrava mais a mim, até que um dia começou a chamar-me de
pai Nino.
Em 1931 Iracema me deu um menino,
já nasceu grande, era uma criança bonita e saudável, recebeu o meu nome.
Teria que ser valente como o pai;
agora a ilha tinha mais um Nino.
Senti toda a responsabilidade
sobre minhas costas; uma nova geração dominava a terra do coronel.
Quinze anos se passaram, minhas ideias e objetivos eram outros, o menino estava grande, queria que conhecesse o
continente, queria que estudasse mas não tinha como tirá-lo da ilha e muito
menos poderia mantê-lo no continente.
Não poderia gastar o dinheiro do
cofre, pois isso não era coisa de última necessidade.
Um dia, conversando com o menino,
contei-lhe que havia um cofre enterrado na ilha, mas não poderia usar esse
dinheiro, expliquei-lhe o porquê e ele entendeu:
_ Filho, se um dia Deus quiser
que vá para o continente, você irá e não precisará desse dinheiro.
Dito e feito, pois o destino
sempre reserva surpresas, as mudanças acontecem quando menos se espera.
Aninha e Armando estavam casados
e tinham duas crianças, um menino e uma menina.
Armando chamou o menino de
Álvaro, homenageando seu pai e Ana chamou a menina de Francisca em memória de
sua mãe.
VISITAS
Desde pequenos os dois se deram
muito bem e assim continuavam criando seus filhos.
Numa tarde de verão, sentados em
cima do píer, observávamos uma porca com 12 leitões, quando uma enorme lancha
se aproximou. As mulheres e crianças correram para casa, mas eu o Nino e
Armando ficamos observando.
Perguntaram se podiam descer,
respondi que sim.
O homem saiu da lancha e veio
sentar-se a meu lado; contou-nos como se perderam.
Estavam desorientados e para não
arriscar, preferiram parar em busca de ajuda.
Indicamos a direção que
deveriam tomar, mas seria melhor que dormissem na ilha saindo pela manhã.
Era um grande empresário com sua
família.
Pareciam ser pessoas muito boas;
tinham uma tecelagem, fabricavam tecidos e cobertores.
Contando-nos sobre a viagem, ele
pediu desculpas e perguntou por que usávamos roupas feitas com peles de
animais.
Falamos que havia passado quinze
anos, quando vimos pela última vez um pedaço de pano.
Assustado e intrigado com a
situação, nos ofereceram um grande rolo de tecido que estava guardado no fundo
da lancha.
Conversamos muito, contei-lhes
toda nossa história e disse-lhes que a maior riqueza para mim era minha
família:
_ Somos pessoas humildes e temos
boa índole, o que é de um é de todos, tudo é repartido em partes iguais.
Para sermos fortes, estamos
sempre unidos em tudo, até mesmo nos pensamentos.
A família do Sr. Euclides estava
encantada com nosso modo de vida.
Acomodamos todos numa terceira
casa, a mais nova da ilha; tomamos café, jantamos e fiquei de levá-los para
passear no dia seguinte.
Três dias a família ficou
conosco; Amadeu filho do Sr. Euclides tinha a mesma idade do Nino; conversavam
muito, Nino ensinava-lhe falando da natureza e Amadeu contava-lhe coisas da
cidade.
Mas como tudo tem fim, era
chegada a hora de partirem.
_Porque o senhor não vem comigo,
senhor Nino ?
_Posso arrumar casa e trabalho
para todos.
_Agradeço muito Sr. Euclides, há
muitos anos atrás poderia fazer-me um grande favor oferecendo essa viagem, mas
hoje eu pertenço a minha família e a vida deles está nesse pequeno pedaço de
chão, não posso ir.
_ Vamos pai ! Gritou Nino.
_ Eu quero conhecer a cidade !
_ Não, não posso ir, temo não
encontrar meus pais e minha irmã, não posso ir.
_ Então me deixe levar seu filho,
posso dar-lhe estudos, irá nos ajudar na tecelagem e sempre que puder virá
vê-los.
_ Veja o lado bom de tudo isso,
com o tempo e através de seu filho, terá uma casa na cidade e poderá visitá-lo.
_ Bem Sr. Euclides, sei que tem
boas intenções, sua família é maravilhosa e o seu convite é honroso, mas não
posso decidir sozinho, preciso falar com a mãe dele e também saber o que acham
os outros.
Afastando-se, Nino foi ter com
Aninha e Armando, depois foi falar com sua esposa.
NOVOS RUMOS
_ Iracema, o que você acha ?
_ Todos concordam mas preciso de
sua opinião.
_ Acho que a decisão é dele, o
que ele resolver para mim está bom.
Assim Nino Filho partiu rumo ao
continente, voltando muito alegre um ano depois; chegou contando sobre tudo que
viu e aprendeu, estava na escola e também tinha aulas com professores que iam
até sua casa, estava muito feliz mas sentia saudades da família e da ilha.
Dona Márcia, esposa do Sr. Euclides, mostrou-se contente com a presença de Nino em sua família:
_ Ele é uma boa companhia para o
nosso filho.
_ Onde vai um o outro está atrás,
vivem muito bem.
Ficaram dois dias na ilha e foram
embora carregando Armando, Aninha e as crianças.
Senti-me totalmente dividido,
novamente estava meu corpo na ilha e meu coração no continente.
_ Iracema, acho que nasci para
sofrer, a vida sempre me separa daqueles que amo.
_ Por quê o destino é tão cruel
comigo ?
Dois anos se passaram, era
21/12/1949; sentados num tronco em frente à casa, pensávamos na vida.
_ Iracema, esse será mais um natal
que estaremos sozinhos.
_ Não pense nisso Nino, estamos
bem e nossa família também, você tem a minha presença e agora a ilha é toda
sua.
O IMPACTO
_ Lembra-se de quando nos
casamos ?
_ Você disse que seria bom se a
ilha fosse somente sua.
_ Sim, lembro-me, mas hoje
percebo que ela nada vale sem a presença daqueles que amamos.
_ O rapaz que pensava daquela
maneira já morreu, agora sou outro homem e tenho outra cabeça.
Entretidos com a conversa, não
ouviram o barulho do motor de uma lancha que se aproximava.
_ Papai, mamãe, sou eu Nino,
venham conhecer minha noiva.
Lá embaixo, dentro da lancha, o
rapaz gritava eufórico.
Todos voltaram à ilha para o
natal e trouxeram Eliza, a noiva do Nino.
Conheceram-se numa excursão.
Elisa morava em outra cidade; viam-se nos finais de semana.
Cansado, Sr. Euclides foi tirar uma
soneca; dona Márcia, Iracema e Elisa foram ao pomar, Nino foi conversar com o
pai, tinha algumas novidades.
_ Pai, tenho algo muito
importante para contar para o senhor, acho que nem vai acreditar, mas lhe
garanto que não vou falar mentiras.
_ A mãe da Elisa se chama
Andressa.
_ E daí ? Que importância tem
isso ?
_ O senhor não falou que o nome
de sua ex-noiva era Andressa ?
_ Sim, mas o que tem de
importante nisso ?
_ Existem milhares com esse nome
!
_ Sim pai, mas essa Andressa, a
mãe da Elisa, é a sua ex-noiva.
_ Como tem certeza disso ?
_ Tenho certeza por que contei
sua história para ela, falei do Julio que morreu a seu lado, falei o nome de
minha avó, a sua mãe, então ela me disse que o senhor é o ex-noivo dela.
Ela esperou muitos anos porque
achava que o senhor não tinha morrido, mas depois se casou com um dentista.
_ E minha mãe está viva ?
_ Não, vovó e vovô já morreram,
mas sua irmã tem uma filha.
_ E porque ela não veio para a
ilha ?
_ Ela não veio porque seu marido
está no hospital, ele teve um derrame que paralisou o braço esquerdo.
As novidades foram um choque para
Nino. Agora ele estava realmente decidido, não mais voltaria para o continente.
Armando e Aninha estavam felizes,
moravam numa boa casa, tinham muitos aparelhos elétricos e as crianças iam bem
nos estudos.
A ilha ganhou lâmpadas e o natal
foi de muita festa e alegria.
Alguns anos passaram, Nino Filho
e Elisa casaram-se, e a festa foi realizada na ilha; Nino reencontrou sua irmã
e Andressa após 30 anos. Nino e Andressa, apenas se cumprimentaram e nada mais.
O DESCANSO
Dez anos se passaram; Nino, Elisa
e seu filho Augusto, foram para ilha comemorar o aniversário de Iracema.
Lá debaixo, em cima da lancha,
Nino gritou:
_ Pai, mãe, cheguei, sou eu,
Nino.
A ilha estava em silêncio.
Achando estranho, Nino saiu
correndo do barco, indo em direção a casa.
Seu pai estava deitado na cama,
quase não dava para reconhecê-lo, estava em pele e osso.
_ Pai, o que aconteceu ?
_ Onde está mamãe ?
Com dificuldade ele respondeu:
_ Uma doença..., matou sua mãe.
_ Está enterrada junto com sua
avó.
Nino estava com a mesma doença.
Foi rapidamente colocado na lancha, iriam levá-lo ao médico, mas antes que a
lancha partisse ele morreu.
Nino se esqueceu de contar para o
filho onde estava enterrado o cofre. Morreu em 03/10/1962.
Concluo que seu filho o tenha
sepultado junto à esposa, pessoa que ele tanto amava.
O CLIENTE
Na sala havia um rapaz deitado
sobre o divã, à sua frente uma grande tela.
Um pequeno arco de metal fixava
dois eletrodos na lateral de sua cabeça.
Fios ligados aos eletrodos,
levavam informações do cérebro para um grande aparelho chamado decodificador de
ondas cerebrais.
Ao lado do rapaz, sentado em
poltronas, dois homens conversavam observando as imagens reproduzidas na tela:
_ O que achou Sr. Jorge ?
_ A máquina não é fantástica ?
_ É claro que antes de mais nada
a pessoa tem que ser colocada em transe hipnótico, depois a máquina faz o
resto.
Toda as memórias são guardadas no
cérebro em forma de energias; o trabalho da máquina é captar e canalizar essas
energias, transformando-as em som e imagem, ou seja, dessa maneira as memórias
são reproduzidas como um filme, com som e imagem.
A história de Nino e todas essas
lembranças, estavam guardadas nas memórias do subconsciente do Ângelo, filho do
Sr. Jorge.
Através do processo hipnótico e
da máquina do tempo, Ângelo resgatou memórias de seu remoto passado, resgatou
lembranças da época em que se chamava Nino.
A pedido do pai, o rapaz com
dezoito anos, submeteu-se à ciência, possibilitando-nos descobrir uma parte do
seu passado.
Dois anos depois de haver
concluído meu trabalho com Ângelo, reencontrei seu pai, o Sr. Jorge.
Após dar-me um forte abraço,
falou:
_ Consegui várias informações sobre
a vida do Nino Filho; também descobri que ele é o atual morador da ilha.
_ A história do Nino, meu atual
filho Ângelo, nos diz que o Nino Filho que está na ilha, é descendente do meu
filho Ângelo. Estou certo ?
_ Não está bem certo, é quase
isso; Ângelo e Nino pai, são as mesmas pessoas, porem Nino Filho é descendentes
do Nino pai e não do Ângelo. Embora o espírito do Nino e do Ângelo sejam o
mesmo, Nino pai tinha um corpo e Ângelo tem outro.
_ Agora lhe peço que se acalme,
está muito eufórico. O senhor aceita uma vodka ?
_ Enquanto bebemos poderá
dizer-me o que descobriu sobre a família Rocha.
Sr. Jorge não descobriu muita
coisa de interesse; procurou-me porque queria mais informações; muitas
perguntas estavam em sua mente; sempre foi uma pessoa muito detalhista.
Tudo começou em março de 2000,
quando o conheci numa festa familiar.
Conversávamos sobre situações que
induzem ao trauma, coisas que revelam medos inexplicáveis, memória que o
consciente não consegue resgatar e que estão alojadas no subconsciente.
Ele falava sobre o filho, dizia
que era muito corajoso, mas tinha um problema que se manifestava quando o rapaz
subia num barco em direção a alto mar; nessa hora transformava-se de tal
maneira, que impressionava qualquer um que o conhecesse. Tornava-se um medroso
de primeira mão.
Entre conversas e história,
perguntou se eu poderia fazer regressão de memórias com seu filho Ângelo.
_ Mas porque tem esse desejo ?
Perguntei.
_ Quer curá-lo?
_ Quer que desapareça o medo que
ele tem ?
_ Se for possível sim, mas também
gostaria de saber o que causou esse trauma.
Dessa maneira tudo começou; no
ano 2000, depois de muitas sessões de hipnose vasculhando o subconsciente do
Ângelo, soubemos tudo sobre sua vida passada, a vida do Nino; vida essa
iniciada em 1900, onde recebera o nome de Antonino Rocha, apelidado
carinhosamente como Nino.
Agora intrigado com os fatos da
história do Nino, Sr. Jorge queria explicações para suas dúvidas:
_ Escute bem o que vou lhe falar.
Tenho quatro filhos, todos são muito bons e educados, entretanto Ângelo é muito
diferente dos outros. Sem querer menosprezá-los, digo que Ângelo é ainda
melhor. Tem um ótimo coração, tudo que é dele é dividido; não tem ganância e
está sempre pronto para ajudar.
_ O que me intriga é o fato de tanto
sofrimento, na época que o nome do Ângelo era Nino.
_ Por que Nino separou-se da
família e da noiva que tanto amava ?
_ Por que era sempre separado
daqueles que amava ?
_ Por que perdeu o irmão tão
drasticamente ?
_ Acho que é muita injustiça com
uma pessoa tão boa.
_ Pergunte a todos e saberá o que
digo; Ângelo é uma pessoa amável, tem muitos colegas, amigos, sempre foi
elogiado por sua educação e atenção que dá a todos.
_ Quero saber se podemos fazer
outra regressão e descobrir o porquê de tanto sofrimento com uma pessoa tão boa
e estimada.
_ Sim Sr. Jorge, mas antes
precisamos consultar Ângelo; caso concorde e consiga resgatar as memórias que
antecedem a vida do Nino, com certeza terá as respostas.
Ângelo também estava curioso; uma
semana depois iniciamos a primeira etapa, seria o trabalho que revelaria todos
os porquês, saberíamos o motivo das angústias e aflições da vida do Nino pai.
NA FAZENDA
Em julho de 1690, numa grande
fazenda, o poderoso Emílio morreu.
_ Ele morreu mamãe, meu pai
morreu !
_ O que faremos agora ?
_ Como vamos viver sem ele ?
_ Acalme-se Maria José, assim
Joana sua irmã entrará em pânico; seu pai estava muito doente, levante a
cabeça, confie em Deus e tudo dará certo.
Emílio chegou ao Brasil com a
família aos 5 anos de idade; trabalhou com o irmão na fazenda de seu pai, Sr.
Joaquim, até completar 25 anos, depois foi embora para a cidade onde conheceu
sua esposa, dona Amélia.
Quando soube que seu pai havia
morrido, voltou à fazenda e comprou a parte da herança que era de seu irmão.
As terras eram administradas por
Jonas, que desde pequeno sempre foi muito prestativo e esperto, conquistando
rapidamente a confiança do Sr. Joaquim; enciumado Emílio o detestava, tornou-se
gratuitamente seu inimigo.
As coisas estavam complicadas
para Jonas, pois Emílio, agora como dono da fazenda, mandava:
_ Pegue sua mulher, seus filhos,
suas bugigangas e vá embora. Emílio expulsou Jonas da fazenda.
Poucos dias depois, ao saber dos
fatos, o irmão de Emílio chamou Jonas para trabalhar em sua fazenda.
Jonas tinha quatro filhos, mas o
xodó era o caçula, mimado e protegido por todos.
_ Jonas, não leve o Alberto, ele
não pode tomar muito sol.
_ Alberto, olhe o que comprei
para você.
_ Alberto, você é o menino mais
lindo do mundo.
_ Alberto, você é muito
esperto e inteligente.
Quando Alberto completou doze
anos, seu pai queria levá-lo para trabalhar, mas ele se negava.
_ Não vou, o que eu ganho de
ficar arrebentando no sol ?
_ Não sou burro de carga.
_ Alberto, acompanhe seu pai e
seus irmãos, vá trabalhar.
_ Não posso, estou com dor de
barriga.
Mas quando Alberto completou
quinze anos, o patrão perguntou para Jonas, porque o menino não trabalhava.
_ Ele trabalha sim patrão, é que
prefiro que fique ajudando a mãe.
_ Ora, ora, Jonas, isso é serviço
que se de para um menino tão esperto ?
_ Isso não é certo, quero que
você o traga a partir de amanhã; ensine-o a fazer trabalho de homem.
_ Onde já se viu isso, o que quer
que ele seja ?
_ Um maricas ?
_ Está bem patrão, amanhã mesmo
estará comigo.
O trabalho representava inferno
para Alberto.
_ Eu não quero mãe. Isso é vida
de pobre, não nasci para isso.
_ Procure entender Alberto, somos
pobres mas somos dignos, respeitados e vivemos bem, não nos falta nada.
Precisa se acostumar ao trabalho,
um dia irá casar, terá que sustentar sua família, precisará comer para viver.
_ Não preciso de nada disso,
quando crescer casarei com a filha de algum fazendeiro rico.
Cada semana ele arrumava uma
doença diferente, uma desculpa diferente.
Todos percebiam sua inteligência;
com jeito sempre conseguia o que queria.
Quando completou vinte e um anos,
acompanhado pelos irmãos, foi à uma festa, a festa que mudaria o rumo de sua
vida.
As comemorações religiosas
estavam sendo realizadas no povoado mais próximo da fazenda.
Tinha missa, procissão, provas
competitivas, cantoria de violeiro, muita comida e muita gente.
Naquele ambiente havia tudo que
Alberto queria.
Andando para lá e para cá,
interessou-se por uma moça muito elegante e muito bonita.
Atento e detalhista, logo
percebeu que ela usava roupa e sapatos finos, caros; na cabeça havia um arco
cravejado de diamantes.
Impressionado aproximou-se;
decidiu que precisava conhecê-la imediatamente.
Conversaram pouco porque o pai da
moça havia chegado, mas o assunto foi suficiente para atrair a tentação
dos dois; assim iniciaram o romance.
_ Preciso ir Alberto, meu pai vai
me chamar, sabe onde moro, vá me ver.
Ele tinha acabado de conhecer a
filha do Sr. Emílio, inimigo numero um de seu pai, mas esse detalhe não o
intimidava. Explodindo em contentamento, só pensava nela:
_ Maria José, que moça
fascinante; bonita e rica, não quero mais nada da vida.
_ Não contarei nada pra ninguém,
só ficarão sabendo quando eu estiver casado.
_ Ela não pode conhecer minha
família, eles são muito caipiras e pobres.
Agora tudo era uma questão de
tempo.
Alberto havia achado sua mina de
ouro, por nada deste mundo desistiria.
Quinze dias depois, na fazenda,
pediu ao patrão que desse a ele a incumbência de ir ao povoado buscar
alimentos.
_ Está bem Alberto, a partir de
agora é você quem faz as compras, prepare-se e saia amanhã bem cedo.
Agora era a hora de colocar os
planos em ação, tudo estava preparado, o dia chegou.
Sem que ninguém percebesse,
colocou a sela mais nova escondida no fundo da carroça, enrolou sua melhor
roupa e botas num cobertor, e seguiu usando um bonito chapéu.
Algumas horas depois, após
terminar as compras, resolveu que era hora de colocar seu plano em ação.
Um quilômetro antes de chegar à
fazenda do Sr. Emílio, tirou o cavalo da carroça, colocou-lhe a sela nova,
trocou de roupa e pegou um pequeno embrulho.
Na entrada da fazenda conversou
com o capataz:
_ Por favor senhor, trago um
recado e uma encomenda para a senhorita Maria José, poderia chamá-la ?
Não demorou e a moça apareceu.
_ Oh, é você ? Por favor
entre.
_ Não, não, deixe para outra
hora, vim somente para trazer-lhe algumas rapaduras feitas na fazenda de meu
pai, tenho muitos afazeres para hoje, não posso demorar.
_ Mas que bom, mamãe adora
rapaduras, venha vai conhecê-la.
_ E seu pai está ?
_ Papai saiu, mas outro dia que
vier poderá conhecê-lo.
Aliviado o rapaz resolveu entrar;
conversou a tarde inteira, conquistou a mãe e a irmã da moça, falou um monte de
mentiras e quando já era bem tarde, foi embora.
Chegando na fazenda com cara de
muito cansado, roupa suja de graxa, desculpou-se dizendo que demorou porque a
roda da carroça havia saído.
O
ROUBO
Com um jeitinho aqui e
outro ali, Alberto sempre estava vendo sua namorada, até que um dia, um ano e
meio depois as coisas tornaram-se mais difíceis: houve um roubo na fazenda do
Sr. Emílio, levaram dez sacos de feijão, dez de milho e um boi.
Logo que o dia raiou, empregados
e escravos sentiram falta dos pertences.
_ Sr. Emílio, roubaram a fazenda.
_ Roubaram o que Elias ?
_ Roubaram milho, feijão e o
Malhado.
_ Mas como isso aconteceu ?
_ Procurem em todo lugar, matos,
fazendas, entrem até na igreja, se não encontrarem eu mato um desgraçado.
Sr. Emílio estava rico, muitos o
chamavam de coronel, possuía três enormes fazendas, muito gado, muitos
escravos, muito dinheiro escondido dentro de um baú enterrado no porão de sua
casa, mas continuava mesquinho, abria a mão somente para negociar e comprar
presentes para as filhas.
Apavorados, empregados e escravos
saíram à procura; andaram três dias e nada encontraram, então resolveram chegar
até a fazenda do irmão do Sr. Emílio.
Da porteira Elias avistou
Alberto.
_ Bom dia moço, quem é aquele
rapaz que está raspando o casco do cavalo ?
_ Ele é meu irmão, Alberto, filho
do Sr. Jonas, administrador da fazenda.
_ Algum problema com ele ?
_ Não, apenas preciso falar com
seu pai.
Jonas veio atendê-lo mas não
permitiu que entrassem na fazenda:
_ Voltem outro dia porque hoje o
patrão não está, e já vou adiantando que aqui não tem ladrão.
Elias e o pessoal foram embora de
mãos vazias, pensando como iriam encarar o Sr. Emílio.
_ Patrão, não encontramos nada,
mas na fazenda de seu irmão mora um rapaz que esteve aqui um pouco antes do
roubo.
_ Quero que coloque homens
vigiando dia e noite, a fazenda de meu irmão será vigiada vinte e quatro horas
por dia, se perceberem qualquer coisa estranha, tomaremos as terras no chumbo.
_ Descubra quem é esse tal rapaz
e venha me avisar.
_ Esse rapaz senhor, é o filho do
Jonas.
_ Filho do Jonas ?
_ Se ele pisar novamente em
minhas terras, mato a família inteira. Pode mandar o recado.
_ Agora vamos cuidar desses
negros imprestáveis.
_ Elias, chame o capataz e mande
dar dez chicotadas em cada escravo; durante noventa dias terão uma refeição e
mais nada.
_ Vamos triplicar o tamanho do
curral, quero todos os animais presos durante a noite.
_ Coloque um escravo dormindo no
celeiro e outro vigiando os animais, isso deverá ser dia e noite; quero que
eles fiquem escondidos, vamos pegar esses gatunos.
_ A partir de hoje, quero todo
mundo dormindo com olho aberto.
Atemorizados, empregados e
escravos estavam em alerta, até que numa noite de lua cheia, um escravo viu uma
pessoa escondida no mato; era Alberto que estava tentando chegar até o quarto
de Maria José.
O alarme soou, confundido com
ladrão, os escravos correram tentando pegá-lo, mas embrenhando-se pelo mato
Alberto desapareceu sem ser identificado.
Na manhã seguinte Sr. Emílio
encomendou cinco garruchas novas e ordenou que atirassem para matar.
As coisas estavam cada vez mais
complicadas para Alberto e Maria José.
O tempo passava e nada de anormal
acontecia, agora Alberto teria que escolher as noites mais escuras para se
encontrar com a namorada.
Maria José queria que ele
conversasse com Sr. Emílio, pedindo-a em namoro:
_ Você esta correndo risco de
vida Alberto, não entendo porque não vem conversar com meu pai !
_ Espere mais um ano, quero falar
com ele quando estiver pronto para casar.
Alberto já sabia que o pai da
moça queria matá-lo, jamais iria aceitá-lo como genro, nem mesmo em sonho; seus
pensamentos diziam que era preciso matar o coronel.
Fortemente cercada, a fazenda era
vigiada por escravos que se revezavam sem descanso.
Quatro meses mais e os ladrões
não apareciam, até que numa manhã, um escravo foi achado desmaiado e cinco
cavalos desapareceram.
Avisado, o coronel Emílio chegou
falando:
_ Como conseguiram pegar você por
trás ?
_ Se estivesse acordado isso não
teria acontecido.
_ Mai eu tava acordado dotô
coroné.
_ Não tem mais nem menos seu
imprestável.
_ Amarrem o maldito, servirá de
lição para todos.
Amarrado no tronco, o negro
Amadeu foi torturado e morto com dois tiros na cabeça.
Durante uma semana vistoriaram
toda a região, homens foram contratados mas nada encontraram.
As notícias chegaram até Alberto
que decidiu se afastar por algum tempo, a fazenda era um local muito perigoso.
Revoltados, negros e índios
queriam pegar os ladrões.
Zeferina, a mãe do escravo morto,
não se conformava e jurou vingança.
Escravos índios e negros,
respeitavam muito essa preta velha, diziam que ela tinha pacto com diabo, suas
feitiçarias eram violentas e nunca falhavam.
O FIM DE EMÍLIO
Coincidência ou não, apesar de
ter muita saúde, Sr. Emílio começou a sentir muita dor de cabeça.
Um mês depois já não saia de
casa; preocupada, a esposa mandou que fossem buscar o médico; por outro lado,
achando bom e preocupada com Alberto, Maria José mandou a escrava levar um
recado para o namorado:
_ Benedita, quero que leve um
recado para Alberto; e não conte nada à ninguém, se contar corto sua língua.
_ Diga que venha hoje à noite, o
médico e mais duas pessoas virão visitar meu pai e dormirão aqui em casa.
Ela sabia que os empregados
estariam desatentos com o movimento na fazenda, por isso mandou chamá-lo.
Escondida, Benedita saiu bem
cedo, indo levar o recado.
Por volta das 22:00 hs, Alberto
atravessou o mato chegando rapidamente até a janela do quarto da moça.
As lamparinas já estavam
apagadas; no escuro, descuidado, Alberto derrubou o caixote que usava para
subir na janela.
Escutando o barulho, Joana que
dormia no quarto ao lado, acordou e correu para o quarto do pai.
_ Pai ! Pai ! Acho que o ladrão
está mexendo na janela do quarto da Maria José.
Levantando-se rapidamente, Sr.
Emílio pegou a garrucha e entrou no quarto da filha.
Na penumbra viu a silhueta de um
homem; sem pensar levantou a arma e atirou.
O chumbo acertou o braço de
Alberto, mas mesmo machucado conseguiu fugir.
Alberto chegou em casa gemendo,
disse a todos que se feriu acidentalmente quando caçava.
Os chumbos infeccionaram seu
braço direito, durante uma semana entrevou-se na cama com forte febre.
Embora tenha tirado os chumbos,
nunca mais seu braço voltou a ser o que era.
Dois meses depois de vários
recados e nenhuma resposta, Maria José mandou um bilhete para Alberto:
Espere-me na estrada, amanhã
quando o dia raiar estarei lá.
Alberto se levantou bem cedo indo
de encontro à namorada.
_ Como você está Alberto, vai
perder o braço?
_ Tudo foi culpa da minha irmã,
odeio aquela bruxa, se pudesse à mataria enforcada.
_ E seu pai Maria José, como está
?
_ Anda mal, agora não sai da
cama, isso deve ser castigo.
Emílio estava muito mal, suas
noites eram de delírio: chamava pelo pai, pela mãe, gritava enlouquecido,
corria pelos corredores carregando cadeiras na cabeça, dizia que os escravos
queriam matá-lo, falava com as colunas e paredes; conversava e brigava com os
animais como se eles fossem gente.
Seis meses depois da primeira dor
de cabeça, Sr. Emílio morreu num estado lamentável.
Em silêncio a preta velha
Zeferina, mãe do escravo assassinado, comemorava sua tão esperada vitória:
_ Ele sofeu muto mai que meu fio,
na cabeça ele atirô, da cabeça ele moreu, ah, ah.
Agora ninguém mais impedia que
Alberto e Maria José se casassem.
Com a morte do Sr. Emílio,
Alberto entrava e saia da fazenda como bem queria, mas dona Amélia não aceitava
o casamento.
_ Você não pode se casar com ele,
já esqueceu que o pai dele era inimigo de seu pai ?
_ Além do mais é nosso dever
respeitar as vontades dos mortos; tenha calma que logo aparece um bom homem,
então você se casa.
Alberto sabia que a situação era
delicada, precisava conquistar a consideração de dona Amélia. Estava atento a
tudo, até que um dia um fato lhe chamou a atenção:
Novamente a fazenda havia sido
roubada, ele sabia que pegando os ladrões seria respeitado por todos; decidido
iniciou as investigações.
Certo dia, tranquilamente sentado
embaixo de uma figueira, Alberto tirava suas conclusões em voz alta:
_ Se usassem cavalos, teriam que
ser muitos, então os rastros na estrada logo seriam encontrados.
_ Para roubarem dez sacos de
feijão e dez de milho, teriam que levar em carro de boi; com a lentidão dos
animais logo seriam pegos; então concluo que não poderiam ter saído pela
estrada.
Subindo o morro que ficava atrás
da fazenda, Alberto avistou um rio que atravessava um grande vale; havia mata
fechada em quase toda região. Poucas trilhas cortavam a mata.
Descendo o morro, andou pelas
margens rio abaixo, seguindo uma trilha que terminava no rio.
Estava aproximadamente a cinco
quilômetros do ponto de partida.
Olhando em todas as direções,
avistou na margem oposta, uma grande jangada. A embarcação tinha tamanho
suficiente para levar dez animais de uma só vez.
Agora ele precisava atravessar o
rio, mas como era muito largo nada podia fazer.
Voltando à fazenda chamou Elias:
_ Você sabe de quem é a fazenda
que fica do outro lado do rio ?
_ Antigamente era do Coronel
Marcelino, mas depois de sua morte a fazenda foi vendida para um pessoal que
comercializa açúcar.
_ Você já esteve lá ?
_ A última vez que fui por
aquelas bandas, foi quando roubaram a fazenda pela primeira vez.
_ E o que viu por lá ?
_ Lá não tem nada, somente um
grande barracão onde guardam os cereais que são vendidos.
No outro dia, bem cedo, Alberto
voltou à fazenda do Sr. Emílio, selou um bom cavalo e foi investigar o tal
galpão.
Depois de algumas horas de
cavalgada, atravessou uma estreita ponte sobre o tal rio, mais outra boa
cavalgada e ele chegava ao galpão.
Perto da porta do galpão
encontrou um homem e o cumprimentou:
_ Bom dia. Gostaria de falar com
o dono.
_ Então se apeie e vamo cunversa.
_ So eu memo; eu e meu irmão.
_ Pois bem, quero negociar cinquenta sacos de açúcar, dez de feijão, dez de milho e oito cabeça de gado
branco.
Naquela região, o Sr. Emílio era
o único que criava gado branco, gado nelore.
Sabiamente Alberto pediu o gado
branco.
_ Oia meu sinhô, as mercadoria
tenho pra já, mai u gadu chega daqui a arguns dia, mai o meno quatro dia.
_ Pois bem, daqui quatro dias
volto para ver os animais.
Voltando à fazenda, contou o caso
para dona Amélia e suas filhas; pediu que fizessem segredo até mesmo para
Elias, pois desconfiava que mais alguém estava por trás dos roubos.
Voltando para casa explicou a
situação para seu pai, e pediu que deixasse levar dois irmãos com ele. Seria
por apenas quatro noites.
No dia seguinte Alberto chega com
os irmãos na fazenda do coronel Emílio, disse para todos que eles vieram a
mando de dona Amélia, iriam plantar cana.
À noite, os três armados ficaram
de tocaia perto do curral, mas nada de anormal aconteceu.
Na terceira noite, por volta das
23:00 hs, avistaram um homem subindo o morro; era Elias.
Alberto fez sinal para ficarem
quietos.
Não demorou muito para Elias
descer na companhia de quatro homens. Entraram no curral, amarraram quinze
vacas e iniciavam a subida puxando os animais, quando Alberto empunhando a arma
pulou na frente deles falando:
_ Parado aí, se alguém tentar
correr morre. Quero todo mundo deitado no chão.
Elias tentou fugir correndo morro
abaixo, mas em seu caminho estavam um dos irmãos do Alberto.
Foi apenas um tiro certeiro:
entrou pelo olho derrubando o homem. O administrador da fazenda estava morto.
Com o barulho feito pela arma,
empregados e escravos correram apavorados em direção do curral.
Antes que o dia clareasse os
ladrões estavam mortos.
O
DOMÍNIO
Agradecendo os irmãos, Alberto
pediu que dona Amélia oferecesse a eles algumas cabeças de gado.
Os rapazes voltaram satisfeitos e
Alberto conseguiu o que queria.
A partir desse momento dona
Amélia devia-lhe um grande favor; em agradecimento deu-lhe um presente:
_ Você provou que é um bom homem,
valente e de confiança.
Agora estamos sem administrador e
minha filha quer se casar com você. Se for do seu agrado, cuide das fazendas e
de minha filha.
No mês seguinte a fazenda estava
preparada para a festa.
O padre foi chamado e o casamento
realizado.
Muita comida, carne à vontade,
vinho, aguardente e uma grande mesa repleta de verduras e frutas.
A festa se estendeu por três
dias, somente os escravos trabalharam.
Agora Alberto era o senhor todo
poderoso, em suas mãos estava toda a riqueza do Sr. Emílio, mas ainda não
estava satisfeito, queria mais.
Apossando-se das terras do outro
lado do rio, onde estava o galpão, mandou construir uma ponte para ligá-las a
fazenda.
Os negócios prosperavam mas
Alberto nunca estava contente.
Um ano depois do casamento nascia
seu filho.
Orgulhoso e vaidoso falou:
_ Menino, você já nasceu grande,
seu nome será Bartolomeu; herdará todas essas terras, pois minha futura geração
não será empregada de mais ninguém.
O pai e a mãe de Alberto ouviam
em silêncio as palavras do filho:
_ Lembra-se mãe ?
_ Um dia eu disse que seria rico,
pois minha promessa está cumprida, hoje sou rico e poderoso.
Alberto falava como se tudo fosse
dele, não queria aceitar o fato de Joana, sua cunhada, ser herdeira e dona da
metade de tudo.
Não tardou muito para uma casa
ser construída ao lado da sede, pois Maria José ainda guardava rancor de sua
irmã, dizia que não suportava olhá-la frente a frente.
Um ano após o nascimento da
criança, Joana conheceu um bom rapaz; foi na mesma festa onde Alberto e sua
irmã se conheceram.
Ele era de família humilde, como
humilde era a família de Alberto.
Sempre foi um homem bom e
trabalhador; não tardou muito para conquistar o coração de sua futura sogra,
dona Amélia.
Alberto não conseguia vê-lo com
bons olhos; sabia que iria dividir a herança com o futuro concunhado; o simples
fato de pensar no assunto descontrolava-o de maneira assustadora.
Depois de um ano e meio de namoro,
Everaldo e Joana queriam casar:
_ Dona Amélia, acho que posso me
casar com sua filha, estou aqui para falar do assunto e também para pedir sua
permissão.
_ Arrendei umas terras depois do
rio, terras que estão ao lado das suas; estou plantando cana e criando cinco
cabeças de gado.
_ Ora, se está achando que vai
tirar minha filha daqui, está muito enganado, é claro que vocês não vão para
lá, tenho muitas terras, poderá trazer seu gado e morar aqui na fazenda.
_ Se você acha que aquelas terras
são boas, aguarde um pouco, garanto que poderá comprá-las em pouco tempo.
Tenho certeza que dará tudo
certo; Alberto irá gostar de mais um braço forte na fazenda.
Everaldo nunca teve vida fácil,
entrou na luta pela sobrevivência desde muito cedo; quando tinha dez anos seu
pai morreu deixando quatro filhos para a esposa criar.
Trabalhava o dia inteiro na roça
em troca de leite, feijão e farinha, dessa maneira ajudou sua mãe a criar todos
os irmãos e ainda cuidava dela.
_ Você é um bom rapaz Everaldo,
case-se com minha filha e traga sua mãe para morar na fazenda, ela poderá
trabalhar aqui em casa.
Joana e Everaldo tinham um
relacionamento invejável, eram almas gêmeas, sempre sorrindo, alegres,
conversavam com todos, até mesmo com os escravos; isso fazia com que Maria José
ficasse possessa, irada ela falava para o marido:
_ Precisamos fazer alguma coisa
Alberto, não vou criar meu filho junto com o filho daquela bruxa. Acho melhor
irmos embora para a fazenda da Cangalha.
_ Não isso é impossível, daqui
não podemos sair. Esta fazenda está em local estratégico. Pretendo escoar a
produção de todas as fazendas através desta, construirei balsas e todas as
mercadorias virão para cá; esta fazenda será nosso grande armazém.
_ Por isso digo, acalme-se e tudo
dará certo, o plano que irá resolver a situação já está em minha cabeça, apenas
quero saber se irá concordar .
_ Então fale Alberto, estou
curiosa e já digo: se for para tirar Joana daqui, seja lá o que for eu
concordo.
_ Então ouça com muita atenção e
entenderá o que penso.
_ Caso Everaldo morresse, de nada
adiantaria, sua irmã encontraria outro homem e continuaria na fazenda; então
devemos atacar o problema da raiz; teremos que eliminá-la.
_ Mas o que quer fazer, matá-la ?
_ Não seja tão trágica Maria
José, não sou assassino !
Apenas vamos levá-la para um
passeio somente de ida. Não é isso que você quer ? Não está cansada de ver sua
cara lavada ? Pois bem, não precisamos matá-la, apenas será levada para
um lugar muito longe, de onde nunca mais possa voltar.
_ Mas todos sentirão sua falta e
irão procurá-la, por mais longe que a levemos Everaldo irá atrás, passará o
resto de sua vida tentando encontrá-la.
_ Acalme-se mulher, já está tudo
planejado, não fique aflita, devemos fazer tudo com calma e naturalidade.
_ Alberto, eles estão com
casamento marcado para o mês que vem, será realizado no dia de São João,
precisa fazer alguma coisa logo.
_ Está bem mulher, na hora certa
agiremos, confie em mim.
Até então Maria José não sabia o
que iria acontecer; para evitar enganos ele preferiu não contar nada. Mas o
momento chegou e ele a chamou para conversar sobre o assunto.
Explicou que precisavam esperar o
dia em que Everaldo iria ao povoado comprar as bebidas.
_ Ouça bem Maria José, quero que
passe a maior parte do tempo na casa de sua mãe. Descubra quando ele vai para a
vila.
Maria José fez como seu marido
mandou e logo retornou com a resposta:
_ Irá para a vila três dias antes
do casamento; disse em segredo para minha mãe, que irá comprar um presente e
dará à Joana no dia do casamento.
O momento era aquele; Alberto
chamou todos e disse que faria uma viagem a negócios, iria procurar terras para
comprar, mas um dia antes do casamento estaria de volta.
Mandou que pegassem uma boa
carroça e nela colocassem mantimentos e água, no dia seguinte iria partir.
Logo pela manhã Alberto partiu
colocando seu macabro plano em ação; andou o dia todo até chegar a seu destino.
Longe da estrada, no meio do
mato, um pequeno casebre abrigava um senhor de idade avançada.
Aproximando-se do homem, Alberto
falou:
_ O senhor pode pegar a carne
seca que está na carroça; cuide bem do cavalo e dos meus pertences, logo
voltarei.
Deixando a carroça e o cavalo aos
cuidados do homem, tirou da capa quatro moedas de ouro e disse:
_ Isso é pelo seu serviço, quando
voltar lhe dou mais dezesseis. Não conte pra ninguém que me viu; se contar...,
será um homem morto.
Sem perder tempo, deixou a
carroça, pegou outro cavalo, selou e voltou para a casa.
A TRAMA
De madrugada, um pouco antes de
chegar a fazenda, soltou o cavalo no pasto junto com os outros, escondeu a sela
num buraco, e entrou sorrateiramente em sua casa.
_ Mulher, deu folga para os
empregados ?
_ Sim.
_ Então a partir de agora ninguém
entra nesta casa, ficarei escondido, ninguém pode me ver.
_ Antes de raiar o dia subirei o
morro e ficarei escondido perto do pé de goiaba.
_ À tarde, um pouco antes de
escurecer, vá até a casa de sua mãe e na presença dela, peça que sua irmã vá
apanhar goiabas para o Bartolomeu.
Faltavam três dias para o
casamento de Everaldo e Joana.
Antes de raiar o dia, Alberto
pegou um pedaço de pano, um saco de estopa e uma tripa com sangue de galinha;
silenciosamente subiu o morro, indo esconder-se no local combinado.
À tarde Maria José foi para casa
da mãe, que estava na cozinha ajudando Benedita a fazer uma torta.
Cumprimentando-a olhou para a
mesa e viu seis grandes goiabas; espertamente levou o menino para dormir no
quarto, voltando para a cozinha sem demoras.
Ela sabia que precisava comer
aquelas goiabas e não poderia demorar.
Conversando comeu todas as frutas
e aguardou a hora exata; quase no escurecer pegou o menino, despediu-se da mãe,
da irmã, deu alguns passos em direção da porta e voltou apreçada falando com
Joana:
_ Joaninha, esqueci e comi todas
as goiabas que estavam em cima da mesa; mas que cabeça dura eu tenho; me faça
um grande favor querida irmã.
_ Esta noite Bartolomeuzinho
quase não dormiu, toda hora acordava chorando pedindo goiaba, vai ficar
doente se não comer.
_ Por favor, traga algumas para
ele.
_ Mas minha filha, é muito tarde,
daqui a pouco escurece, amanhã sua irmã vai buscar.
_ Entendo mãe, mas essa noite o
menino acordava toda hora pedindo goiaba, se não comer hoje vai ficar doente.
_ Não tem problema maninha, irei
buscar as goiabas e na volta vou até a porteira, quero esperar Everaldo chegar.
Quando Joana chegou perto da
goiabeira, Alberto deu-lhe uma forte pancada na cabeça, desmaiando-a.
Rapidamente lhe arrancou várias
mexas de cabelo, espalhando-as pelo chão junto com o sangue de galinha.
Fez tudo detalhadamente para dar
impressão de que algum bicho tivesse arrastado a moça na direção do rio.
Depois de amarrar a boca, mãos e
pés, arrastou-a para o lado contrario, morro abaixo em direção da estrada;
escondido no mato, esperou a noite chegar.
Quando estava totalmente escuro,
levou-a para o outro lado da estrada. Junto com a sela dentro do buraco, Joana
permaneceu desacordada.
Quando Everaldo chegou, dona Amélia
perguntou pela filha; ele disse que não sabia.
A fazenda toda subiu o morro,
ascenderam tochas e acharam a pista de sangue e cabelos.
Concluindo que a moça fora
arrastada morro abaixo em direção ao rio, vasculharam toda a margem durante
horas.
Nesse momento Alberto aproveitou
para fugir; pegou o cavalo, selou e seguiu viagem durante a noite.
Quase no clarear o dia, chegou
com a moça na casa do ancião.
Colocando-a dentro do saco no
fundo da carroça, amarrou-a de maneira que não pudesse se levantar, cobriu-a
com um cobertor, trocou de cavalo, e sem dormir prossegui viagem por mais doze
horas.
Quando chegou a seu destino,
retirou a moça da carroça e falou com um casal que apareceu na porta:
_ Fizeram a cela no porão ?
_ Sim senhor, fizemos.
_ Coloquem água, comida e nunca
mais deixem que ela saia. Cumprirei meu trato, nunca mais precisarão trabalhar,
mas se ela escapar ou alguém descobrir alguma coisa, vocês morrem.
Na volta dormiu na casa do
ancião, deu-lhe as dezesseis moedas e no raiar do dia, voltou para casa.
Ao chegar na porteira foi
recebido por um dos escravos:
Sinhô Arberto, o sinhô num sabe o
que se sucedeu.
_ Um bicho cumeu a sinhazinha
Juana.
_ Mas o que esta falando Jeremias
?
_ É verdade, ela subiu nu moru
pra pegá goiaba e num vorto mai.
_ Percuremo em tudu, por tudu os
cantu, mai num encontremo nem sinar dela.
Os dois, marido e mulher, fizeram
boa encenação enganando a todos.
Muitos anos se passaram; com sua
inteligência Alberto conseguiu triplicar a riqueza que agora era toda sua, pois
dona Amélia já estava morta.
Everaldo perdeu o gosto pela
vida; tornou-se um alcoólatra dois anos depois do desaparecimento de sua noiva;
viveu o resto de sua vida caindo pelas estradas e pelo mato, chorando e
lamentando a morte de sua noiva; morreu dez anos depois do sumiço.
Quinze anos mais tarde, Alberto
ficou sabendo que Joana e o casal foram mortos por índios.
Bartolomeu morreu aos dezessete
anos, com a mesma doença do avô.
Maria José não teve mais nenhum
filho; aos vinte e oito anos ficou paralítica; com a morte da mãe, sua
companhia eram empregadas e escravas, pois Alberto já não lhe dava atenção.
Quando sua saúde piorou, foi
levada para uma casa de tratamento, onde abandonada morreu aos sessenta e seis
anos.
Alberto viveu até os oitenta e
oito anos; acompanhou o enterro de todos os parentes.
Desenganado pelos médicos,
deitado no leito de morte, sofreu durante oito anos sem poder se levantar.
Morreu cego e só, sem herdeiros e
sem parente que o ajudasse.
Sua fortuna ficou para os
sobrinhos.
CONCLUSÕES
_ E então Sr. Jorge, está
satisfeito ?
_ Entendeu a história ?
_ Descobriu porque Nino tanto
sofreu ?
Na sala conversando com Sr.
Jorge, nem vi o tempo passar; estávamos reunidos em família para comemorar o
Natal de 2003.
Ângelo estava sentado junto a mim
e a seu lado estava uma bonita moça, aparentava ter dezoito anos.
Discutíamos comentando a
história, quando delicadamente fomos interrompidos por ela:
_ Desculpem mas não consegui
entender porque Nino se separou tão drasticamente da família e da noiva.
Percebendo o interesse que a moça
tinha pelo assunto, falei:
_ Está bem, vou explicar-lhe com
detalhes.
_ Embora sejam duas histórias, os
personagens principais são poucos, vamos ver quem é quem em cada uma.
_ Alberto, Nino e Ângelo são as
mesmas pessoas, o primeiro foi marido de Maria José, o segundo foi noivo da
Andressa o terceiro está sentado a meu lado, é Ângelo.
_ Todos são uma só pessoa,
representam, o porquê da história, o porquê de nossa pesquisa.
_ Maria José e Andressa são as
mesmas pessoas, Maria José foi esposa do Alberto, Andressa foi a noiva de Nino.
_ Emílio e Julio são as mesmas
pessoas, o primeiro é pai de Maria José e inimigo mortal de Alberto, o segundo
é irmão gêmeo do Nino.
_ Deduzo que Emílio tenha voltado
como irmão do Nino, para eliminar rancores e criar laços de amizade.
Everaldo e Nino Filho são as
mesmas pessoas, Everaldo é noivo de Joana, Nino Filho é marido de Elisa e filho
do Nino.
_ Joana e Elisa são as mesmas
pessoas, a primeira é cunhada do Alberto, irmã da Maria José, a segunda é
esposa do Nino Filho, filha de Andressa.
O casal que manteve Joana em
cativeiro voltou para serem pais de Nino; nessa condição sofreram e sentiram na
pele, o que é ter os filhos desaparecidos; a lição foi grande, pois a dor foi
dobrada, perderam dois filhos de uma só vez.
_ Ângelo aprendeu através do
sofrimento do Alberto, e mais ainda com o sofrimento do Nino, que a maior
riqueza do ser humano é a união, a paz e a presença dos entes queridos. Nino
foi separado da noiva e da família, da mesma maneira que separou Joana do
noivo e da família.
Maria José através da paralisia e
solidão, aprendeu que a liberdade e a união são riquezas que o dinheiro não
compra.
Andressa foi separada pelo
destino, da pessoa que mais amava, viu seu grande sonho destruído da mesma
maneira que ajudou a destruir os sonhos da irmã.
_ Alberto e Maria José ficaram
com a herança de Joana e Everaldo, entretanto Elisa e Nino Filho, herdaram os
bens da Andressa e do Nino. Também receberam o mais importante: amor,
solidariedade e consideração.
_ Bartolomeu nasceu e logo
morreu, para fazer o pai e a mãe refletirem, perceberem que não somos donos de
nada, não temos nenhum poder. Nasceu e morreu para mostrar aos pais que não
podemos controlar e muito menos manipular as maiores riquezas da vida.
_ A vida e o tempo se encarregam
de alterar a índole de cada um; alguns vêm para receber outros para dar, mas
todos acabam aprendendo que não existe paz e felicidade sem auxilio, união e
amor.
_ E agora Sr. Jorge, mais algum
mistério para desvendarmos ?
_ Ah,ah.
_ Mistério não tem, apenas
quero sua presença em uma viagem. Aceita o convite ?
_ Mas para onde vamos ?
_ Vamos para a ilha.
_ Acho que não ouvi bem.
_ Ouvi sim, não quer conhecê-la ?
O REENCONTRO
_ Para mim seria muito gratificante,
mas o que vai dizer ao chegar lá ?
_ Direi para o Nino Filho que
trouxe seu pai para matar a saudade da ilha.
_ Mas como o senhor irá provar
que Ângelo foi o Nino pai no passado ?
_ É simples. Falou Ângelo com
sorriso nos olhos.
_ Somente nós sabemos onde está
escondido o cofre.
_ E você dirá para o Nino onde
está ?
_ Sim, com certeza pois o ouro
agora pertence a eles.
Não foi preciso ser sábio para
perceber que havia uma mudança radical nas características do Ângelo, outrora
Alberto.
Agora tinha a grande chance de
beneficiar a antiga Joana que hoje é Elisa, casada com o antigo Everaldo, que
hoje é Nino Filho.
Olhando dentro dos olhos do rapaz
lhe disse:
_ Parabéns Ângelo, você mudou da
água para o vinho, inspira-me admiração. Quero viajar com vocês.
Alguns dias depois, embarcamos
rumo a ilha; saímos bem cedo; durante a viagem imaginamos o que seria naufragar
naquelas violentas águas.
Quando a lancha se aproximou da
ilha, avistamos as casas e os animais andando pelo terreiro, mas não havia ninguém.
Achamos estranho o fato das
pessoas não terem ouvido o barulho da lancha, então gritamos:
_ O de casa..., tem alguém aí ?
Ninguém respondeu; resolvemos
desembarcar.
Ângelo estava demasiadamente
apreensivo, dizia que seu coração parecia querer sair pela boca.
Preocupado com o rapaz,
perguntei-lhe:
_ Você está bem Ângelo ?
_ Não sei lhe responder,
sinto-me estranho, a sensação é de que estou voltando ao passando, me lembro
como se fosse um sonho na noite anterior.
_ Fique calmo, vamos descer e
tudo estará bem.
Estávamos em cinco: Sr. Jorge,
Ângelo, a moça que estava em minha casa, eu e o barqueiro.
Amarramos a lancha, desembarcamos
e já no meio do terreiro gritamos novamente:
_ O de casa..., tem alguém ai ?
Como não responderam, seguimos em
direção à casa que estava com a porta aberta.
Entrei na frente dos outros, fui
olhando cômodo por cômodo, até que me deparei com uma senhora deitada na cama.
Para acalmá-la falei.
_ Não se assuste senhora,
entramos porque a porta estava aberta, pensamos que não havia ninguém em casa.
_ Não tem problema moço, ouvi
quando chamavam mas não posso me levantar.
_ Podemos ajudá-la ?
_ Acho que não, tenho problemas
de coração, hoje estou pior, por isso estou deitada; sentem-se logo meu marido
Nino está de volta.
_ Ele foi buscar algumas ervas
para me fazer um chá.
Logo Nino Filho estava de volta;
percebemos em seu olhar um pouco de cisma, mas chegou falando:
_ Bom dia pessoal, em que posso
ajudá-los ?
_ Desculpe nossa intromissão,
viemos apenas para conversar.
_ Pois então falem.
Sabendo que dona Elisa estava com
problema no coração, Sr. Jorge não quis ir direto ao assunto, preferiu dizer
que queria comprar alguns porcos.
_ Mas o senhor vem de longe só
para comprar porcos ?
_ Sim senhor Nino, ao passar
perto da ilha vimos que possui bonitos porcos.
_ Pois bem então venham, vou
mostrar os bichinhos.
Quando já estávamos distante da
casa, Sr. Jorge parou de andar e perguntou sobre a saúde de dona Elisa.
_ O problema de minha mulher é
serio Sr. Jorge, precisa operar o coração mas não temos dinheiro.
_ Senhor Nino, e se lhe disser
que seu pai veio lhe trazer o dinheiro, o senhor acredita ?
_ Meu pai ?
_O senhor conheceu meu pai ?
_ Seu pai eu conheço.
_ Ah, mas então o senhor deve
estar enganado, meu pai morreu ha muito tempo.
_ Então se prepare porque vou
provar-lhe que este rapaz é o seu pai; ele voltou para ajudar vocês.
_ O que é isso senhor Jorge, não
entendo sua brincadeira.
_ Pois bem, aqui na ilha existe
um cofre cheio de ouro que foi do coronel Armando, seu bisavô; você está
precisando do dinheiro para curar sua esposa, mas não sabe onde está porque seu
pai Nino morreu e não lhe contou o local que foi enterrado, certo ?
Nino perdeu as palavras,
sentou-se olhando com espanto para o Sr. Jorge; mudou, empalideceu rapidamente.
Parecia estar em estado de
choque. Preocupado falei:
_ Respire fundo senhor Nino o
senhor está bem ?
Nino nada respondeu; olhando para
trás observei que Ângelo estava tão pálido quanto Nino, agarrava-se a um
arbusto com cara de quem ia desmaiar.
Seguramos o rapaz colocando-o
sentado ao lado do Sr. Nino. Parece que a dose tinha sido forte para os dois.
_ O senhor quer dizer que este
rapaz é meu pai ?
_ Sim.
_ Então eu já morri e não estou
sabendo ?
_ Não senhor Nino, vamos
contar-lhe a história.
Conversamos durante um bom tempo,
mas sabíamos que dona Elisa precisava de socorro urgente, então seguimos em
direção do cofre. Ao chegar no local, percebemos que tínhamos um problema: Nino
havia feito o chiqueiro em cima do dinheiro.
Tiramos os porcos e começamos a
cavoucar.
Quase noite, desanimados achando
que havíamos errado o local, foi quando Ângelo bateu o enxadão no cofre.
Achamos o dinheiro e Nino ainda
abobado, não queria acreditar; a moça estava coberta de barro até a
cabeça; estávamos felizes, havia moedas de ouro aos milhares; Elisa
poderia se tratar mas não podíamos contar-lhe a história, pois seu coração
poderia parar.
Ângelo e Nino se abraçaram como
pai e filho, confesso que fiquei confuso ao ver tal sena se desenrolar com
tanta naturalidade. Realmente demonstravam sentimentos de pai e filho.
No outro dia levantamos cedo,
voltamos levando Nino e Elisa para o hospital; antes do meio dia já estávamos
em terra firme.
Seguimos até a clínica para
interná-la; Sr. Jorge assinou o cheque pois não podiam pagar com moedas de
ouro.
Mais tranquilos, deixamos dona
Elisa amparada e fomos para casa do Sr. Jorge; conversávamos falando sobre as
obras do destino e as dúvidas do Sr. Jorge.
Nino contou que Armando, Aninha e
os filhos, preferiram continuar morando no continente. Augusto seu filho,
estava casado, morava vizinho da casa de Armando.
Comentei que tudo começou por
causa do medo que Ângelo sentia, e das preocupações de seu pai.
_ Então Sr. Jorge, mais
algumas dúvidas ?
_ As dúvidas acabaram,
agora acredito que tudo tem um porquê e nada acontece por acaso.
Levantando-se do sofá, a moça fez
uma colocação:
_ É verdade, agora acredito que o
acaso não existe.
_ Um dia, Alberto provocou a
morte de Joana, hoje Ângelo ajuda a devolver a vida para Elisa, antiga Joana.
_ Alberto destruiu a vida do
Everaldo e Joana, Ângelo devolveu a felicidade para Everaldo e Joana, ou Nino
Filho e Elisa, como queriam chamar.
_ E você Ângelo, já tem namorada
? Perguntou Nino Filho.
_ Não, namorada não tenho mais,
agora tenho uma noiva.
_ Mas que bom, poderíamos
realizar o casamento na ilha. Também se quiser poderão ficar morando lá; eu e
Elisa estamos ficando velhos, Augusto não quer sair da cidade, então você terá
a ilha de volta, o que acha ?
Sorrindo, a moça se manifestou:
_ Acho uma ótima ideia.
Sem saber quem era a
moça, dirigindo-se a ela, Nino perguntou:
_ Desculpe mas..., não sei o seu
nome.
_ Meu nome ?
_ Me chamo Andressa, sou noiva do
Ângelo.
_ Muito prazer, esse é o nome da
minha falecida sogra e da ex-noiva do meu pai.
Olhando para o Sr. Jorge, falei:
_ Que coisa estranha..., será um
acaso ?
Mirando meus olhos ele respondeu
com uma pergunta:
_ Mas..., acasos existem ???
Dona Elisa foi operada saindo
trinta e cinco dias após a internação. Estava nova em folha e ainda havia muito
dinheiro no cofre.
_ Acho que contribuí com minha
parte nessa história.
Olhando sua boa fisionomia,
perguntei.
_ Como se sente dona Elisa ?
_ Estou ótima parece que nasci
novamente, o retorno do Nino pai fez bem a todos nos, ah, ah.
_ E sua mãe, dona Elisa,
onde mora ?
_ Minha mãe e meu pai faleceram
num acidente de carro, logo depois do nascimento do Augusto; nessa época Nino e
eu resolvemos morar definitivamente na ilha.
Dois meses findaram, muitas
lanchas se dirigiam à ilha, era o casamento de Ângelo e Andressa.
Casaram-se no dia 27 de fevereiro
de 2004.
Ângelo e Andressa uniram-se a Nino
Filho e Elisa.
A rivalidade enterrada no solo da
vida, agora transformada em amor, germina através da semente da paz.
F I M
UM PEDIDO
NO NATAL
Minha alma aprisionada
entristecida e desapontada me pede pra voltar a ser menino, desconhecer o que é
errado, o mal falado.
Aos poucos vou me desapegando de
tudo: ilusões, sonhos, vontades, amor, ódio, lembranças, falsas esperanças.
Quero fazer aliança contra a
vingança, procuro mudança, quero ter espírito de criança.
Regresso de uma viagem que ainda
não terminou, pois ainda existe vida em meu corpo.
Regresso ao meu longínquo
passado, procurando encontrar nele paz e serenidade, forças para prosseguir no
que ainda me falta caminhar.
Espero voltar a ter olhos somente
para admirar as coisas singelas.
Ter ouvidos somente para o que
não faz mal a alma.
Ter boca somente para sorrir e
confortar.
Ter mente ingênua que desconheça
a maldade, o egoísmo, a saudade, a mediocridade.
Ter coração transparente que
desconheça a falsidade.
Ter na face expressão serena de
que nunca rouba a cena.
Poder terminar a vida sem
maldizer a Terra, esquecer a guerra onde tudo se encerra.
Quero poder voltar a ser menino,
ter o direito de esquecer a hora, pisar descalço na terra, correr na chuva,
deitar no chão, olhar uma caixa de fósforo imaginando que é um caminhão.
Quero não precisar mostrar a
ninguém meus valores, minha capacidade, quero fugir da maldosa realidade.
Quero ser simples, verdadeiro,
nunca mais me tornar adulto, não preciso ser culto, apenas ser bom.
Quero ter o direito de ser feliz
sem causar mágoas, conflitos, invejas, tampouco ressentimentos, sofrimentos.
Quero ser aquilo que um dia o Pai
Eterno desejou para mim.
_ Pai Todo Poderoso, talvez eu
não consiga tudo isso pois estou na Terra, ocupo um corpo, sou humano, mas... é
esse o presente que gostaria de ganhar no natal.
Minha igreja é Deus, minha
religião a Fé.
Benedito Oswaldo Vittoretti